quinta-feira, 15 de abril de 2010

Vetorização ou ensinamento do canto

O resultado do melhoramento genético alcançado por criteriosos programas de seleção voltados para a habilidade de aprendizado de canto, voz e repetição tornou-se evidente nos últimos anos. A maioria dos planteis que busca o aprimoramento tem disponível genética favorável. No entanto, ainda é pequeno o número de curiós com excelente qualidade de canto. A questão da vetorização, ou ensinamento do dialeto que se pretende que o filhote venha a cantar, ganha especial importância para que se reverta esse quadro.


Acreditamos que o grande gargalo do desenvolvimento do canto clássico está na necessidade de combinar genética favorável com um adequado manejo no ambiente de criação, o que nem sempre é possível, principalmente para uma grande produção de filhotes. A necessidade de infraestrutura é grande e, normalmente, indisponível para a maioria dos filhotes.


A discussão sobre a idade com que um filhote de curió inicia o aprendizado do canto é interminável. Alguns afirmam que o aprendizado pode ser iniciado após a saída do ninho, com cerca de 13 ou 14 dias vida. Os mais neuróticos defendem que desde o ovo o filhote já percebe o canto pelas vibrações sonoras. Exageros à parte, há consenso, entre os criadores mais experientes, quanto ao primeiro mês de vida ser decisivo no processo. Quando um filhote é separado da mãe, já está vetorizado. A partir daí, pouco se poderá fazer para que melhore seu desempenho canoro.

Sempre ouviremos relatos de um filhote que veio de um criatório onde o canto era o vi-vi-te-teu, já com 90 dias de vida, e encartou o paracambi. Nunca poderemos fazer da exceção a regra. Fenômenos inexplicáveis acontecem vez ou outra.

Há, ainda, que ser considerado o instinto natural do pássaro, que o motiva a tentar aprender e executar o dialeto cantado na nova comunidade. Nos referimos, naturalmente, a uma comunidade com vários curiós cantando um mesmo dialeto. Nem consideramos a possibilidade de uma bateria de canto clássico nas prateleiras de um criatório.


O manejo coletivo de filhotes é comprometedor para o processo de ensinamento do canto, ainda que não ouçam galadores com canto deficiente ou fêmeas solteiras. A reunião de filhotes em um mesmo ambiente os distrairá da instrução de canto e logo o corrichado de um interferirá no aprendizado dos demais. É pouco provável que um filhote mantido nessas condições venha a apresentar um bom desempenho no canto clássico.

O manejo ideal é individualizado. A fêmea galada deve ser levada para um ambiente acusticamente isolado, onde não ouça nada além da instrução de canto. Os filhotes separados da mãe seguirão: fêmeas para os gaiolões de recria e machos para o isolamento acústico individual.

Há criadores que têm investido na criação artificial dos filhotes, retirados das suas mães nos primeiros dias de vida, colocados em incubadoras e alimentados com a seringa. Essa prática, consorciada com o uso de cabines de isolamento acústico, tem resultado em um percentual maior de pássaros cantando o canto clássico com perfeição. Contudo, se mantida por muitas gerações, poderá comprometer a habilidade materna das fêmeas, como ocorreu com a avicultura de produção.


O cômodo isolado para receber a fêmea galada é a melhor opção, mas exige investimentos elevados e um espaço disponível cada vez mais difícil nas grandes metrópoles. A fabricação de cabines de isolamento acústico, com medidas que permitem a colocação de uma gaiola de cria para que, em seu interior, a fêmea efetue a postura e crie sua ninhada, é uma solução eficiente e com um custo menor. Vale lembrar que não existe cabine com isolamento acústico perfeito (recomendamos a leitura do artigo Cabines de Isolamento Acústico - Possibilidades e Limitações).

Há necessidade de acostumar a fêmea com essa instalação muito antes da estação reprodutiva. Caso contrário, ela poderá estranhar a cabine e efetuar a postura fora do ninho, não iniciar ou interromper choco. Algumas nunca se adaptam a esse manejo.




As cabines devem ser organizadas em um cômodo isolado do criatório, em um local onde não se ouça canto de pássaros ou seja ouvido apenas um mestre com canto perfeito. Uma cabine não poderá ser encostada a outra, caso contrário haverá transmissão sonora. No ambiente externo às cabines poderá haver sonorização com rádio sintonizado em estação FM, com a finalidade de minimizar quaisquer invasões sonoras nocivas. Nesse mesmo ambiente, poderão estar cabines para as fêmeas com ninhadas e individuais para pássaros em lapidação do canto. Reiteramos que se um pássaro cantar no mesmo ambiente onde estão as cabines, será ouvido pelos filhotes em seu interior. O isolamento funciona de uma cabine para outra e não do ambiente para o seu interior.

Outra questão fundamental é a qualidade do equipamento de sonorização. Algumas cabines produzidas comercialmente, por questão de custo, são equipadas com auto-falantes de péssima qualidade. O aparelho que reproduz a instrução de canto também deve ser de qualidade superior. A qualidade do som daquelas caixinhas fabricadas para uso em computadores, salvo raríssimas e caríssimas exceções, é do tipo "ninguém merece".

O emprego de curiós mestres de canto é um facilitador do processo de vetorização. Certamente o filhote terá mais facilidade para aprender um canto ouvindo um curió adulto. Poucos criadores, no entanto, se valem desse expediente. Em primeiro lugar, pela dificuldade de encontrar um pássaro com canto perfeito e com personalidade adequada ao ensinamento de filhotes. Em segundo lugar, por estar mais do que comprovada a possibilidade de aprendizado dos curiós a partir de lições de canto. A favor do emprego de lições de canto ainda pesa o fato de que sua execução é rigorosamente igual, sempre com a perfeição estabelecida no momento de sua gravação. Um professor de canto não executará todas as suas cantadas com perfeição. Por melhor que seja, em determinados momentos suprimirá notas ou cortará cantos. Com o passar dos anos, a qualidade do seu canto diminuirá.


Para os que têm disponibilidade de um curió com excelente qualidade de canto, um manejo muito adequado é a sua manutenção no ambiente em que ficam as cabines com os filhotes em aprendizado. O canto do mestre será ouvido pelos filhotes no interior das cabines. O corrichado e os assovios dos filhotes não perturbarão o canto do mestre. Isso se deve ao fato de que o material absorvente acústico, que reveste internamente a cabine, absorve boa parte do som e dificulta a saída para o exterior. Há quem empregue esse método e mantenha a cabine, de um filhote por vez, com a porta aberta durante alguns minutos por dia, para que escute melhor o professor.


Mestre cantando no mesmo ambiente das cabines





A gravação da lição de canto que será passada para o filhote é decisiva para o aprendizado.


São muitas as lendas sobre CDs para ensinamento de filhotes. A mais desprovida de embasamento técnico é que a gravação só presta se o CD for original. Uma cópia com os recursos de computador pessoal poderia comprometer o aprendizado por gravá-la fora da frequência ideal. Isso é informação plantada por produtores de CDs para aterrorizar os passarinheiros, evitando duplicações. Depois de gravada no CD, a gravação digital não passa de uma sequência de zeros e uns (0 e 1) que é a informação que pode ser representada pelo bit (digito binário). Diferentemente do sistema analógico antigo, quando o sinal poderia assumir outro valor, inclusive os de chiados e estalidos.


Nos CDs profissionais, é elaborada uma matriz e a mídia é prensada. A área destinada ao bit é mais baixa ou mais alta, conforme signifique 0 ou 1. O feixe de laser do leitor passando sobre a trilha do CD vai ler 0 ou 1 e informando ao sistema. Nos CDs graváveis em computadores, no interior da mídia, há uma substância química sensível à luz do laser que reage à sua passagem durante a gravação, tornando-se mais ou menos reflexiva, conforme signifique 0 ou 1. Dessa forma engana o leitor do aparelho de som que pensará que a superfície é mais alta ou mais baixa. Naturalmente que esse processo está sujeito a falhas, principalmente em função da qualidade da mídia, e sua durabilidade também será menor. Se a gravação deu certo, o som que escutamos é o mesmo da gravação original. Se não foi boa a gravação, o CD não será reconhecido pelo aparelho de som ou parte da gravação não será reproduzida.


Não incentivamos, por forma alguma, a pirataria de CDs. Eles foram produzidos com alto custo e refletem um investimento comercial que busca retorno. E é assim que deve ser. Se não houver retorno dos investimentos, as empresas não estarão mais interessadas em novas produções e todos perderemos com isso. Mas comprar um CD original, extrair uma faixa de áudio e editá-la para uso pessoal conforme nossas necessidades é um procedimento legítimo.


Outra lenda conhecida é a de que devemos empregar uma gravação para ensinar o canto. Após certa fase mudar para uma gravação mais rica em notas. Empregar uma gravação para estimular o pássaro a repetir ou outra para melhorar o andamento e o balanço.


Em nosso entendimento, devemos ensinar para o filhote o canto como esperamos que ele cante quando for maduro. O mesmo conjunto de notas com o mesmo andamento, desde o primeiro dia. A questão da repetição é genética, mas, após termos certeza de que a entrada de canto foi assimilada, poderemos empregar uma gravação, do mesmo canto, com um maior numero de repetições. Não existe um artifício que possa induzir um curió a repetir além de sua predisposição genética. Individualmente, poderemos alterar a intensidade de alguma determinada nota do canto, quando observamos que o curió a está negando ou executando de forma muito discreta. Mas esse é outro caso.
Reflete a possibilidade de elaborarmos uma lição de correção específica para determinado pássaro.


Cada criador, segundo a sua experiência, terá a sua lição de canto adaptada as suas preferências. Citaremos alguns princípios que consideramos importantes no planejamento de uma gravação para ensinamento de filhotes.

Se o número de repetições for muito grande, o filhote irá memorizar apenas o módulo de repetição, por ter ouvido pouco a entrada de canto.

Se a gravação contiver cantadas com um canto e uma ou duas repetições, o filhote poderá memorizar o canto de entrada e o módulo de repetição como se o canto fosse. Quando for repetir, cantará a entrada e o módulo de repetição e, sem intervalo, repetira novamente o canto de entrada com o módulo de repetição, em um defeito conhecido como retorno de canto.

Consideramos adequada a gravação com várias cantadas com 3 repetições, algumas de com 5 e uma com 7.

Se o intervalo entre uma cantada e outra na gravação da lição for muito pequeno, poderá levar o filhote ao retorno de canto. Consideramos que um adequado intervalo entre cantadas deva ter de 30 a 45 segundos.


Pialados são importantes para chamar a atenção do filhote antes do início da cantada. Dessa forma estará atento ao início do canto. Em lições nas quais as pialadas não são inseridas é comum que os filhotes apresentem defeitos na entrada de canto, iniciando a cantada com a falta das primeiras notas do canto de entrada. Em nossa opinião, as pialadas devem estar entre 7 e 4 segundos antes do início da cantada.

A elaboração de lições de canto está ao alcance de qualquer pessoa que disponha de um computador com gravador de CDs. Há vários programas de edição de áudio. Alguns de distribuição gratuita.

Consideramos a melhor opção o Sony Sound Forge que pode ser obtido em versão de avaliação pelo prazo de 30 dias. Para quem desejar conhecer os recursos desse programa está disponível um manual em português da versão 7.0.

Uma outra questão sobre a qual não há consenso é o tempo em que o canto deve ser executado e o intervalo em que deve haver silêncio. Se o canto for executado continuamente o filhote se desinteressará por ele, ficando refratário à lição de canto. Se o intervalo em silencio for demasiado, o filhote permanecerá pouco tempo ouvindo o canto. Consideramos que 20 minutos de canto e um intervalo de 30 minutos de silencio é manejo bastante adequado. Isso pode ser determinado na elaboração da lição de canto, gravando-se 20 minutos com cantadas e pialados e 30 minutos com som de água. Esse método dispensa o uso de timer. O CD player tocará o CD com a lição de canto no modo de repetição e o intervalo será determinado pela gravação do som de água. Além de dispensar o uso timer, esse método evita o liga/desliga do aparelho de som, que reduz sua vida útil. O som de água é estimulante para os pássaros.


Costumamos empregar CD players automotivos alimentados com fontes que transformam a tensão da rede elétrica de 220 ou 110 Volts em 12 Volts e auto-falantes triaxiais. As lições rodam na programação continua do aparelho, que pode ser ligado a um timer analógico, iniciando e desligando em horários determinados.
Encontramos nessa adaptação a melhor relação custo/qualidade de áudio.

Temos de nos preocupar com o ambiente em que ficam os pássaros recriados isoladamente e fora das cabines de isolamento acústico. Ambientes fechados ou com paredes revestidas por cerâmica são terríveis para causar reverberação no som, comprometendo o aprendizado.

O assunto não pode ser esgotado em algumas poucas páginas.

Ainda há muito que ser compreendido sobre o ensinamento de canto.

Devemos continuar estudando e divulgando nossas experiências na busca pelos melhores resultados

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